sábado, 4 de agosto de 2007

[recortes constitucionais] Isenção Heterônoma


Um tema interessante, questão de prova 2ª fase para juiz estadual substituto.
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Lição de Sacha Calmon Navarro Coelho, in Manual de Direito Tributário, Ed. Forense, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2003, página 343:
“De resto, a proibição de isenção pela União em tributos de alheia competência não é absoluta como parece. A regra geral é a vedação (art. 151, III da CF/88). Contudo, em nome do interesse nacional, a Constituição permite, em dois casos, que a União, na qualidade de pessoa jurídica de direito público interno, conceda, mediante lei complementar, que exige quorum qualificado de votação, isenção de imposto estadual (ICMS) e municipal (ISS). A isenção heterônoma é permitida nos arts. 155, XII, e 156, § 3º, II. Por aí se vê que, nas hipóteses de exportação de bens e serviços, a União pode determinar a isenção dos impostos sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de qualquer natureza.”

Na mesma linha ensina João Marcelo Rocha, in Direito Tributário, Ed. Ferreira, 2002, páginas 58 e 59, nestas palavras:

“É comum designar-se de isenção heterônoma aquela que é concedida por um ente político diverso do que possui a competência para instituir o tributo correspondente. Diz-se, portanto, que a nossa atual Constituição pretendeu romper com o regime anterior, evitando as isenções heterônomas. Apesar do dito acima, nossa atual Carta preservou dois casos nos quais é dado à União criar desoneração relativa a tributos instituídos por outros entes políticos. Estamos falando do ICMS (CF, art. 155, § 2º, XII, “e”) e do ISS (CF, art. 156, § 3º, II). (...) Portanto, em se tratando de ICMS e ISS, a lei complementar da União pode, em relação às operações de exportação, proteger o que a própria Constituição não protegeu. Essa proteção que pode ser estabelecida por lei complementar, para alguns, significa isenção, para outros, não-incidência. Seja como for, o importante é constatar que a desoneração terá natureza heterônoma.”
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de: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/tribut19.htm

AS ISENÇÕES HETERÔNOMAS E A VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL

O poder de isentar apresenta simetria com o poder de tributar, isto é, "o poder de isentar é o próprio poder de tributar visto ao inverso". Assim, da mesma forma que existem limitações constitucionais ao poder de tributar, observam-se limites que não podem ser ultrapassados pelo poder de isentar.

Como visto, a isenção, em princípio, pode ser considerada como renúncia ao poder de tributar, isto é, autolimitação de competência tributária. No entanto, é possível verificar que, excepcionalmente, ela pode decorrer de limitações heterônomas ao poder de tributar, como nas hipóteses de isenções, concedidas por leis complementares, de tributos estaduais e municipais.

Tal situação podia ser verificada no parágrafo 2º, do artigo 19, da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1/69, que estabelecia o seguinte dispositivo:

"A União, mediante lei complementar e atendendo ao relevante interesse social ou econômico nacional, poderá conceder isenção de impostos estaduais e municipais."

Tanto GERALDO ATALIBA quanto SOUTO MAIOR BORGES entendem que este dispositivo possuía um caráter excepcional na sistemática constitucional de repartição de competências legislativas. No entender desses autores, este dispositivo não visava a invalidar a eficácia do princípio da isonomia, mas apenas confirmava, pela exceção, a existência da igualdade jurídica entre a União, os Estados-membros e os Municípios.

Neste ponto é importante observar a utilização da lei complementar. As pessoas constitucionais têm suas competências delimitadas pela própria Constituição Federal, sendo certo que a competência tributária resulta da autorização e limitação constitucionais para a instituição do tributo. Assim, não cabe à lei complementar estabelecer limitações à competência tributária da União, Estados-membros e Municípios.

Com base nessa premissa, SOUTO MAIOR BORGES aduz que "a competência tributária estadual ou municipal permanece intata no campo privativo que lhe é constitucionalmente deferido, mesmo com a superveniência da lei complementar isentante de impostos locais".

Certo é que este dispositivo constitucional, ao conceder à União a competência excepcional para isentar de impostos estaduais e municipais, determinava um comando negativo para os governos locais ao mesmo tempo em que regulava positivamente a competência da União.

No entanto, não poderia ser de outra forma, pois a isenção deveria ser sempre fundada em interesse social ou econômico nacional e os Estados-membros e os Municípios não possuíam, como hoje não possuem, competência para determinar a existência de interesse social ou econômico nacional relevante.

Faz-se oportuno ressaltar o ensinamento de GERALDO ATALIBA, no que se refere ao conceito de interesse nacional:

"Não é o interesse do Governo Federal que induz a competência para edição de lei complementar de isenção, mas sim o interesse nacional. E o discrimem é muito importante porque, se se admitisse que o interesse simplesmente do Governo Federal pudesse autorizar tais isenções, ficaria estabelecida sua supremacia sobre os Estados, rompendo-se a isonomia informadora do princípio federal, com irremediável ruptura de todo o sistema".

Incorreto dizer, portanto, que o fundamento dessa norma constitucional é a supremacia ou a superioridade da competência legislativa federal sobre a competência local, ainda mais que não havia, e não há, níveis de competência no direito brasileiro.

É possível sustentar, outrossim, que a existência de "relevante interesse social ou econômico nacional" possuía o condão de afastar constitucionalmente as competências legislativas dos Estados-membros e dos Municípios, cessando, portanto, nesse caso, a competência tributária estadual e municipal.

Perfeito é o entendimento de SOUTO MAIOR BORGES ao afirmar que, de acordo com o parágrafo 2º, do artigo 19, da Constituição Federal de 1967, com a redação da Emenda 1/69, a competência tributária estadual e municipal já nascia limitada no tocante às isenções concedidas em razão de relevante interesse social ou econômico nacional.

Sobre a dúvida acerca da legitimidade constitucional das isenções que violassem o princípio da isonomia, é magistral o entendimento de GIAN ANTONIO MICHELI , no sentido de que "(...) deve-se considerar caso por caso, se as diferenças subjetivas e objetivas tomadas em consideração pelo legislador com a norma de isenção, são porventura, justificadas em vista da obtenção das finalidades que o próprio legislador pretende perseguir em sintonia com os princípios constitucionais (incentivos, por exemplo, à instalação de indústrias em territórios não desenvolvidos, favorecimento à família, exigência de adequar as dimensões das empresas produtivas às necessidades do mercado internacional)".

Por isso que, enfrentando-se uma situação considerada especial, que estando sujeita à norma geral cause prejuízo ao interesse nacional, deve existir o direito de aplicar à esta situação um mandamento particular e também especial. É exatamente nesta premissa que se fundamenta a norma isencional contida no parágrafo 2º, do artigo 19 da Constituição Federal de 1967.

Negando todos estes fundamentos, o inciso III, do artigo 151 da Constituição Federal de 1988, impede que a União isente de tributos da competência dos Estados-membros, do DF ou dos Municípios. Este dispositivo determina que:

"Art. 151. É vedado à União:

........................................................................

III - instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito federal ou dos Municípios."

Existem doutrinadores que entendem que, com base no disposto no artigo acima, novas isenções de tributos estaduais e municipais não podem ser concedidas pela União como também não mais subsistem as isenções concedidas pela União até 28 de fevereiro de 1989 (só a partir de 1º de março de 1989 entrou em vigor o novo sistema tributário nacional).

Alguns autores sustentam que não devem ser tidas por recepcionadas pela nova ordem constitucional as isenções concedidas pela União, via de lei complementar (ou decretos-leis, como o de nº 406/68, que fizeram o papel de Lei Complementar enquanto posto em recesso forçado o Congresso Nacional).

Dentre estes doutrinadores está CARRAZZA, para quem as isenções de tributos concedidas antes do advento da atual Constituição perderam a validade, caso não versassem sobre exportações de mercadorias que não fossem produtos industrializados. Por esta linha de raciocínio, as normas isencionais existentes no Decreto-Lei 406/68 e nas Leis Complementares 4/69 e 44/84 deixaram de produzir efeitos, podendo ser renovadas, entretanto, por meio de convênios estaduais.

De acordo com esta linha de raciocínio, a partir da entrada em vigor da atual Carta, ficou restabelecida a incidência normal dos tributos isentos até 1988. Para restabelecer a isenção, as municipalidades deveriam encaminhar propostas legislativas às respectivas Câmaras Municipais. Caso não o fizessem no prazo de dois anos, a isenção estaria automaticamente revogada. Tal raciocínio tem fulcro no artigo 41, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Desse modo, a isenção, a partir da Constituição Federal de 1988, já não vigoraria, sendo necessária sua confirmação por texto de lei, para que continuasse a vigorar. No sentido contrário, para se exigir o tributo antes isento não haveria necessidade de lei que decretasse o fim da isenção, pois para isto bastaria a vedação imposta pelo artigo 151, inciso III, da Constituição Federal.

A base para tal entendimento seria o fato de que a nova Carta trouxe uma ampliação da autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Desse modo, não seria factível admitir-se que essa vedação a que se conceda isenções não implicaria no afastamento da isenção que tivesse sido concedida pela União. Se estas isenções não findassem, observar-se-ia, com relação a estes entes, uma autonomia total que, em situações como esta, se tornaria parcial.

Faz-se oportuno ressaltar, no entanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal. O Ministro CARLOS VELLOSO, em voto prolatado no julgamento do RE 159.343-1, posicionou-se no sentido de que não há revogação, "senão após dois anos a partir da promulgação da nova Carta, se lei municipal, imediatamente após a promulgação da nova Constituição, não tivesse realizado tal revogação".

No caso em questão no Recurso Extraordinário, não foi editada lei municipal confirmadora e nem revogadora da isenção, restando claro para o douto Ministro que a legislação federal que estabeleceu a isenção só perdeu a vigência a partir de 6 de outubro de 1990, isto é, após dois anos a partir da promulgação da Constituição Federal, por força do disposto em seu art. 41, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. No mesmo sentido foi o voto do Ministro Marco Aurélio, entendendo que "ou a unidade federada editou a lei conforme previsto no artigo 41, ou não o fez, e o benefício continuou em vigor até dois anos após a promulgação da Carta de 1988".

O raciocínio de que o tributo deve ser instituído por lei própria do ente dotado de competência para tal, e que o mesmo deve ocorrer com a isenção desse tributo é o fundamento para que se entenda que as isenções de impostos estaduais e municipais, concedidas por meio de lei complementar da União, não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, seguindo corrente diversa, o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, BADY CURI, no julgamento da Ação Cautelar 88.360/5, ao tratar da Lei Municipal nº 5.839/90, votou no seguinte sentido:

"Imposto sobre serviços. Lei Municipal nº 5.839/90. Deduções. Decreto-Lei 406/68. Extinção. Validade. É válida e constitucional a Lei Municipal nº 5.839, de 1990, que extinguiu as deduções a que se referiam o § 2º, alíneas 'a' e 'b', do artigo 9º do DL 406/68, uma vez que a atual Carta da República veda, expressamente, a concessão de isenção heterônoma, conforme se vê do artigo 151, inciso III".

Segundo o acórdão prolatado por este douto Desembargador, "é forçoso concluir-se que a Lei Municipal nº 5.839/90 somente veio corrigir profunda e grave distorção causada com a entrada em vigor da nova ordem constitucional, eis que, no regime anterior, era permitido à União Federal conceder isenções de impostos estaduais e municipais, circunstância que não mais impera sob a égide da Constituição da República de 1988, que no seu artigo 151, inciso III, vedou expressamente essa prática, aberrantemente contrária ao Estado Federativo".

É possível afirmar, entretanto, que a vedação à isenção heterônoma não é absoluta, pois, em nome do interesse nacional, a Constituição Federal permite que a União conceda, mediante lei complementar, isenção de imposto estadual (ICMS) e municipal (ISS), nos casos dos artigos 155, XII e 156, § 4º, II. Além disso, a Constituição Federal não vedou a concessão da moratória heterônoma.

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